No dia 8 de julho de 2021, o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra (CES) promoveu a sessão de apresentação pública do projeto de investigação “Estudo avaliativo sobre o impacto das medidas aplicadas a pessoas agressoras” (IMAPA).

O projeto de investigação IMAPA está a ser desenvolvido no CES, através do seu Observatório Permanente da Justiça (OPJ-CES), e em parceria com o Norwegian Centre for Violence and Traumatic Stress Studies, o Conselho Superior da Magistratura, a Procuradoria-Geral da República, a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e a Polícia de Segurança Pública. É um projeto financiado pelos EEA Grants 2014-2021 – Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu, que tem como operador a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género.

A sessão de abertura contou com a presença de António Sousa Ribeiro, Diretor do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, que saudou a relevância dos estudos que têm vindo a ser realizados no âmbito do OPJ-CES como propiciadores de reflexão e produção de conhecimento, bem como espaços privilegiados de produção de impacto direto na sociedade e na vida das pessoas.

Ellen Aabø, Encarregada de Negócios da Embaixada da Noruega em Portugal, felicitou, em nome da Noruega – um dos países doadores dos EEA Grants – os trabalhos iniciados com o estudo apresentado e destacou o benefício que poderá ser retirado dos seus resultados quer para Portugal, quer para a Noruega.

Susana Ramos, Coordenadora da Unidade Nacional de Gestão do Mecanismo Financeiro do Espaço Económico Europeu, dando conta da génese dos EEA Grants, apresentou os vários setores prioritários em que o Mecanismo tem propiciado apoios essenciais, como o crescimento azul, a proteção ambiental, a adaptação às alterações climáticas e promoção das energias renováveis, o fortalecimento da sociedade civil, o desenvolvimento social e humano, a proteção do património cultural e a promoção da igualdade de género e prevenção da violência doméstica.

Rosa Monteiro, Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade, destacou os avanços, nos últimos 20 anos, no conhecimento, nos mecanismos de apoio e proteção às vítimas, no reconhecimento social da violência contra as mulheres e da violência doméstica e, em especial, nos programas dirigidos a agressores, como é o caso do Programa para Agressores de Violência Doméstica (PAVD) e o sistema de Vigilância Eletrónica dos Agressores, ambos geridos pela Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (DGRSP).

Deu, ainda, conta das medidas já concretizadas na sequência da aprovação da Resolução do Conselho de Ministros n.º 139/2019, num trabalho absolutamente inédito de cooperação intersectorial, como, por exemplo:

  • a elaboração do Manual de Atuação Funcional a adotar pelos Órgãos de Polícia Criminal nas 72 horas subsequentes à apresentação de denúncia, do Guia de Intervenção Integrada junto de Crianças ou Jovens Vítimas de Violência Doméstica;
  • o Guia de Requisitos Mínimos para Programas e Projetos de Prevenção Primária, do Plano Anual de Formação Conjunta Violência Contra as Mulheres e Violência Doméstica, a revisão do Estatuto da Vítima;
  • a revisão do auto de notícia/denúncia padrão de violência doméstica.

No campo da saúde, destacou a criação do Programa Nacional de Prevenção da Violência no Ciclo de Vida e do Formulário de Registo Clínico de Violência em Adultos.

Descreveu, ainda, os mecanismos de atuação que se encontram em desenvolvimento, como o modelo de atuação urgente articulado, o alargamento do atual modelo de organização dos Gabinetes de Atendimento a Vítimas de Violência de Género (GAV) nos Departamentos de Investigação e Ação Penal (DIAP) e a revisão do modelo de avaliação e gestão do grau de risco da vítima.

De seguida, realizou-se a apresentação do estudo IMAPA, com uma intervenção inicial de Sandra Ribeiro, Presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, que vincou o objetivo dos EEA Grants na redução das disparidades sociais e económicas e o reforço das relações bilaterais entre os Estados doadores (Liechtenstein, Islândia e Noruega) e os Estados beneficiários (neste caso, Portugal).

Destacou ser Portugal o único país a desenvolver um programa que promove a Conciliação e Igualdade de Género e as três prioridades escolhidas em linha com a Estratégia Nacional para a Igualdade e Não Discriminação 2018-2030 – Portugal + Igual: a conciliação entre a vida pessoal, profissional e familiar, a boa governança e a violência contra as mulheres e violência doméstica. Deu conta da existência de 25 projetos aprovados (estando 24 em execução e 1 já terminado) e 5 em avaliação, que visam beneficiar o desenvolvimento e o apoio de políticas públicas naquelas áreas-chave. Realçou a particular importância do projeto IMAPA em apresentação.

Marina Henriques, investigadora do Observatório Permanente da Justiça do Centro de Estudos Sociais e membro da equipa do projeto IMAPA deu conta dos objetivos do projeto de investigação em curso, destacando as três dimensões essenciais do combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica que têm sido diagnosticadas como carentes de reflexão e debate no ambiente sociojurídico português e que constituem objeto do estudo:

  • a aplicação prática dos instrumentos existentes para a resposta imediata à violência e as medidas cautelares de polícia ou as medidas de coação aplicadas a pessoas agressoras;
  • o impacto das medidas ou penas aplicadas às pessoas agressoras, seja, no primeiro caso, na sequência da aplicação da suspensão provisória do processo, seja, no segundo caso, na sequência de uma condenação em processo penal;
  • e a articulação entre o processo crime e o processo de regulação das responsabilidades parentais, quando haja crianças envolvidas.

Foram, ainda, apresentados os 4 eixos estratégicos, que combinam perspetivas qualitativas e quantitativas, em torno dos quais se encontra organizado o projeto de investigação: sistematização reflexiva do conhecimento existente; sistematização e análise crítica da experiência comparada; avaliação empírica do impacto das medidas aplicadas às pessoas agressoras e de mecanismos existentes no sistema de justiça; e atividades de disseminação do conhecimento e das recomendações.

As entidades parceiras do projeto IMAPA foram representadas por Solveig Bergman, do Norwegian Centre on Violence and Traumatic Stress Studies, Sofia Wengorovius, por parte do Conselho Superior da Magistratura, Miguel Ângelo Carmo, da Procuradoria-Geral da República, Jorge Monteiro, da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, e Hugo Guinote, em representação da Polícia de Segurança Pública, que, nas suas intervenções, realçaram a relevância da matéria objeto de investigação e o compromisso de cada uma das instituições parceiras na reflexão conjunta para a melhoria da prevenção e combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica.

De seguida, realizou-se uma conferência, moderada por Conceição Gomes, Diretora Executiva do Observatório Permanente da Justiça do Centro de Estudos Sociais, e que teve como oradores, Rui do Carmo, Coordenador da Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica, e Joana Gorjão Henriques, Jornalista.

A intervenção de Rui do Carmo focou-se na resposta à violência, incidindo particularmente sobre a intervenção criminal, com base na sua experiência profissional e nos resultados do trabalho desenvolvido pela Equipa de Análise Retrospetiva de Homicídio em Violência Doméstica. Assinalou o caráter duplo do combate contra a violência doméstica, em particular o combate contra as suas manifestações que não envolvem imediatamente violência física grave ou a morte:

  • contra a conduta agressora do agente da violência;
  • e pelo reconhecimento de que se trata de uma violação de direitos fundamentais e da dignidade da pessoa atingida que, por isso, é vítima, não havendo cultura, hábito ou tradição que o justifiquem, como é afirmado pela Convenção de Istambul.

Para além de dar conta de importantes dados que retratam a problemática da violência contra as mulheres e violência doméstica e a resposta por parte do sistema judicial, na sua comunicação, fez uma menção especial às crianças que, frequentemente, estão presentes nos agregados familiares em que esta realidade ocorre e são por ela fortemente afetadas, salientado que “a existência simultânea de procedimento criminal, de processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e/ou de processo de promoção dos direitos e proteção da criança transporta exigências de comunicação entre si, de colaboração e congruência das decisões”.

Rui do Carmo, sublinhou a existência de “um quadro jurídico e um modelo de intervenção ainda não completamente estabilizados e insuficientemente aplicados”, considerando que “uma prática mais esclarecida pode ser ajudada com alguns melhoramentos legislativos pontuais”. Assinalou também a importância de “ferramentas muito relevantes ainda em fase de construção ou reformulação, sendo legítimo fazer um apelo para que a sua conclusão seja mais célere porque foram decididas como medidas urgentes para responder a uma realidade social e criminal cuja gravidade não diminuiu” e de “instrumentos para a ação inovadores para cuja efetiva implementação se devem formar e mobilizar as entidades e os profissionais de quem depende o dia-a-dia do combate à violência contra as mulheres e violência doméstica”.

Concluiu que “o caminho a seguir terá de ser o da qualificação dos profissionais e da ação das organizações, do adequado dimensionamento dos meios, da cooperação, coordenação e coerência das intervenções, do cumprimento das boas práticas protocoladas, da reflexão e da avaliação da experiência”.

A jornalista Joana Gorjão Henriques apresentou algumas reflexões a partir da série “Violência Doméstica no Banco dos Réus”, um conjunto de reportagens da sua autoria publicadas em cinco capítulos no jornal Público, a partir de dez julgamentos de violência doméstica a que assistiu, entre 2019 e 2020, em tribunais na zona da Grande Lisboa. Chamou a atenção, desde logo, para o facto de “o que chega a julgamento ainda é a ‘ponta das pontas do icebergue’”. Através destas reportagens, procurou respostas para um conjunto de questões: “Quem são as pessoas por detrás dos números, quais as suas histórias, o que as levou a tribunal? Como é que os juízes avaliam os casos, como tratam arguidos e vítimas? Como é que a violência doméstica é julgada?”. Com o objetivo de “chegar a um retrato heterogéneo de um crime mais banal do que parece”, identificou alguns padrões, “um deles está nos desfechos destes julgamentos, que coincidem com os grandes números das condenações por violência doméstica: a maioria dos arguidos foi condenada a pena de prisão suspensa”.

A sessão de apresentação pública do projeto de investigação “Estudo avaliativo sobre o impacto das medidas aplicadas a pessoas agressoras” (IMAPA) contou, ainda, com um momento de debate dinamizado por algumas questões que as/os participantes colocaram às/aos oradores.

Programa